Se houve momentos marcantes nas actividades promovidas pela nossa Biblioteca Escolar, durante este ano lectivo, a acção de sensibilização para a poesia, subordinada ao tema “Ah! Isto é que é poesia?”, dinamizada pelo formador Filipe Lopes do grupo “O Contador de Histórias, sediado em Tomar, merece, de facto, uma posição de destaque.
A capacidade de comunicação do orador aliada a uma selecção cuidada dos textos utilizados e à declamação magnífica que fez de cada poema, marcaram de uma forma extraordinária todos os que tiveram o privilégio de participar nesta actividade, que se repartiu por duas sessões, envolvendo turmas dos 10º, 11º e 12º Anos.
Filipe Lopes começou por tirar partido daquilo que os jovens mais gostam – a música, as canções e o amor – para despertar neles o prazer da leitura e, em especial, o prazer da poesia. Depois de estimular a participação voluntária dos alunos levando-os a criar as suas própria definições para conceitos como Poesia, Poema e Poeta conseguiu que alguns deles fizessem leituras mais ou menos expressivas de alguns poemas, para todo o auditório.
Além disso, o orador procurou contrariar a ideia vulgar de que um poema é um texto difícil de ler e de entender e fê-lo de forma magnífica quando mostrou que um poema pode nascer de palavras e frases banais, bastando apenas que elas tenham a virtude de nos fazer sentir alguma coisa quando as lemos ou ouvimos. E para que esse despertar de sentimentos seja mais conseguido, realçou a importância do tom de voz, do ritmo e da entoação que damos à leitura de cada palavra de um poema e também às pausas ou momentos de silêncio.
Se a poesia serve para sentirmos alguma coisa, como defendeu Filipe Lopes, o seu objectivo foi perfeitamente alcançado quando declamou vários poemas entre os quais destacamos, pela expressividade que lhe imprimiu , o poema de Eugénio de Andrade, Adeus:
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Também a leitura do poema de José Luís Peixoto tocou profundamente no coração de todos os que participaram nesta sessão:
Na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva, cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.
Seguiram-se muitos outros poemas, uns mais sérios, outros mais divertidos, não faltando a ironia e até mesmo o “nonsense” que causaram alguns bons momentos de riso entre os participantes. Poder conhecer e apreciar os textos de muitos e variados autores entre eles: Baudelaire, Camões, Florbela Espanca, Jorge de Sousa Braga, Natália Correia, Mário Henrique Leiria , Carlos Drummond de Andrade e António Lobo Antunes, foi uma oportunidade bastante enriquecedora e estimulante para todos.
E porque esta actividade nos proporcionou muitos e bons momentos de poesia, felicitamos o dinamizador por todo o trabalho que desenvolveu. Mais do que um espectáculo, esta acção foi uma lição de vida que Filipe Lopes conseguiu transmitir. Citando Boudelaire, levou os nossos jovens a reflectirem sobre o valor que a poesia pode ter nas suas vidas e quão importante é saber fazer boas opções, saber “embriagar-se” não com vinho ou outras dependências, mas com a poesia, “ com os livros e com virtude”.
Mais do que um “contador de histórias”, Filipe Lopes revelou-se um notável encantador de pessoas. PARABÉNS!
Para mais informações sobre este grupo visite:
http://www.ocontadordehistorias.com/
Algumas fotos da actividade:
O dinamizador - Filipe Lopes
O dinamizador e alunos participantes
O auditório atento e interessado